O relatório final sobre o acidente do AF-447 mostra que os pilotos em nenhum momento tiveram consciência de que o avião não voava, caía.
Faltou destreza? Treino? Ou faltaram os dois?
Quando um avião cai em meio a uma tempestade tentando pousar à noite numa pista mal sinalizada e sem apoio de instrumentos, tem-se uma tragédia, mas raramente um mistério. O que ocorreu com o Airbus A330 da Air France que fazia o voo AF-447 do Rio de Janeiro a Paris na madrugada de 1º de junho de 2009 foi uma tragédia que matou todas as 228 pessoas a bordo – e um mistério que desafiou os especialistas nos últimos três anos.
Este ano, a agência francesa de investigação de acidentes aeronáuticos, a BEA, divulgou o relatório final sobre um dos mais improváveis e evitáveis acidentes da aviação comercial. Improvável porque o Airbus voava em altitude e velocidade de cruzeiro – a mais de 11 000 metros e 900 quilômetros por hora -, situação em que ocorre menos de 0,5% dos acidentes.
Evitável porque os jatos comerciais, mesmo sofrendo as piores panes simultâneas, oferecem aos pilotos a possibilidade de contornar os problemas manualmente. O relatório final da BEA mostra que os dois copilotos que estavam na cabine de comando do Airbus – por falta de destreza, treinamento, ou as duas coisas – cometeram erros fatais quando, paralisado por panes, o piloto automático lhes devolveu o comando do avião.
"A ocorrência das panes na fase de cruzeiro do voo surpreendeu completamente a tripulação do AF-447", diz o relatório. O comandante dormia em seu beliche (não há nada de anormal no fato de o comandante descansar durante voos longos e ser acordado para fazer o pouso) e chegou à cabine quando nada mais podia fazer.
"A tripulação em nenhum momento entendeu a situação", disse Jean-Paul Troadec, diretor da BEA. Qual era a situação? O AF-447 meteu-se no núcleo de uma tempestade tropical sobre o Oceano Atlântico, da qual todos os voos daquela rota na mesma noite se desviaram.
Os cristais de gelo da tempestade entupiram as sondas que medem a velocidade do avião e elas deixaram de funcionar. Sem a medição de velocidade, o piloto automático se desliga e entrega o comando manual aos pilotos com a aceleração das turbinas no máximo. O procedimento clássico nesses casos é diminuir a potência das turbinas pela metade e empinar ligeiramente o bico do avião em um ângulo de cerca de 3 a 5 graus.
Os pilotos do AF-447 deixaram a potência no máximo e empinaram o nariz da aeronave em 18 graus. Nesse ângulo, as turbinas não conseguiram mais manter o avião voando, e ele começou a cair como uma pedra. Mais uma vez, a manobra clássica para salvar a situação é baixar o nariz do avião, ganhar velocidade e, assim, recuperar a sustentação aerodinâmica.
O primeiro copiloto, no comando naquele momento crucial, para a estupefação dos especialistas, insistiu em manter o avião empinado em um ângulo insustentável. O comandante não teve tempo de reassumir seu posto. Quando chegou à cabine, o AF-447 estava a quinze segundos de se chocar a 335 quilômetros por hora contra a superfície do mar. Pelas gravações da caixa-preta, os pilotos voaram às cegas nos quatro minutos que se passaram desde a perda do piloto automático até o choque final.
Eles pensavam estar voando. Estavam caindo.
Veja 17/07/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário